No
ponto de ônibus
Beatriz de Almeida Reis
Seis
horas da manhã. Meu Deus! O que aconteceu com esse bendito despertador que não
tocou. Ai, ai vou chegar atrasada no trabalho. Logo hoje, meu Santo Pai do céu.
Toalha,
cadê a minha toalha que estava aqui? Eu mereço. Não encontro a toalha.
- Encontrei.
Corro para o chuveiro. Ahhhhhh! Socorro o o o o o
-
Jesus Cristo, quanto mais eu rezo mais assombração me aparece. Chuveiro
queimou. Ah não! Era só o que me faltava. Tomar banho com agua fria? Nem morta,
o jeito agora é colocar água no fogo para esquentar. Isso vai levar um tempo,
mas é melhor que água fria. Eita vida. Um dia ganho na mega sena, fico rica e acabo com esse sofrimento. Mas, como vou ganhar se nem jogo? Impossível.
- Ah!
Tem o capital cap, eu compro toda semana. É uma cartela de bingo e custam três
reais. Geralmente são sorteados carros e prêmios em dinheiro. O valor do prêmio
mais alto é de sessenta mil reais, pouco, mas dá para pagar as contas, as
prestações de todo mês.
O
ônibus, só daqui a meia hora agora. Não tenho mais cara de dar a mesma
desculpa. Parece até que a gente tá mentindo. Só quem anda de ônibus sabe o que
é isso.
Todo
dia a mesma coisa. Quando chego explico para o patrão o que aconteceu, que
perdi o ônibus, no outro dia que o ônibus quebrou, no dia seguinte ele não
passou. Quem vai acreditar numa estória dessas? Ninguém, mas infelizmente é
verdade, é comum acontecer essas coisas sim. Fazer o quê? Não posso é inventar
mentiras, mesmo que o chefe não acredite nas minhas desculpas é sempre bom falar a
verdade.
-
Marina, tudo bem?
-
Tudo e você?
- Menina,
nem te conto. Perdi o ônibus outra vez. E você não vai trabalhar hoje?
-
Vou fazer uns exames de rotina. Minha patroa viajou, aproveitei para me
consultar e resolver umas coisas minha.
- E
no trabalho, tá tudo bem?
-
Está sim, mas estou pensando em procurar outro, porque o salário que ganho não
está dando pra nada.
Estou
devendo tanto, não sei como vou pagar essas dívidas. Pobre não tem nada, só
conta para pagar. Estou devendo no mercado do seu João, a farmácia, até na
padaria. Quando chega o fim do mês já acabou tudo, arroz, feijão, café. E o salário mal dá para comprar o básico do
básico.
- Na
verdade, a gente não vive, sobrevive.
- E
agora o Joaquim sem sapatos para ir à escola.
- O
que aconteceu com os sapatos dele?
- Rasgou.
Ele não foi a escola ontem, nem hoje. Não sei o que vou fazer, meu filho é tão
estudioso, não pode ficar sem ir para escola. É a única coisa que nós pobres
podemos deixar para os filhos.
Olha
Marina, se você quiser posso ver com a minha patroa. Ouvi ela dizer que ia dar
umas roupas e uns sapatos do Eduardo porque não estavam servindo mais nele. Ela
já até deixou separado. Vou ligar pra ela e perguntar se posso pegar para dar
ao Joaquim. O Eduardo tá crescendo e muita coisa já não serve nele, se você não
se importar.
-
Claro que eu quero mulher. Eu bem sei como é roupa de rico. Eles só usam uma
vez e largam lá. E eu Não sei quando vou poder comprar roupas e sapatos para o Joaquim.
- Garanto
a você que as roupas são quase novas, seu filho vai gostar. Se meu filho,
Francisco, fosse maior eu pediria dona Sofia às roupas para ele, mas não serve.
Pobre
só compra roupa, uma vez no ano, em dezembro para as festas de natal. E olhe
lá, tem pessoas que nem no final do ano. Conheço gente que passa a vida inteira
usando roupas usadas dos outros.
O
ônibus, graças a Deus.
Vou
com você. Esse ônibus passa próximo ao hospital.
Então
vamos.
Sabe
Maria José, às vezes fico pensando em largar esse trabalho e sei lá, fazer outra
coisa.
- O
quê? Você não gosta do que faz Marina?
-
Gostar, gostar, assim não gosto não gosto não, mas preciso dele. Sem esse trabalho as coisas seriam
bem pior, tenho consciência disso. É que chega um momento que a gente cansa e
quer batalhar em outra coisa. Quer ter uma vida melhor. Queria mesmo era poder
ter o meu próprio negócio, ter meu dinheiro, ficar mais tempo em casa com meus
filhos. Com essa correria do dia a dia mal temos tempo para nossa família.
Minha
mãe era costureira e me ensinou a costurar. Se eu tivesse como comprar umas
máquinas trabalharia em casa confeccionando roupas e vendendo. Com o tempo
abriria uma lojinha em casa mesmo.
- Tá
revoltada com a vida Marina?
-
Não, estou é muito triste, mas tenho fé que isso tudo irá mudar um dia e serei feliz. Vou
poder dar aos meus filhos tudo que eles precisam para viver bem e com dignidade.
- A
próxima parada é a minha Maria José. Hoje vou ouvir até do chefe. Até mais.
Marina chega ao trabalho.
- Bom
dia!
-
Boa tarde! Chegando atrasada de novo dona Marina?
-
Seu Carlos é que....
-
Não me diga que perdeu o ônibus, ou que ele não passou, que quebrou. Essas suas
desculpas já não colam mais. Vou descontar cada minuto de atraso no seu
salário, assim você aprende a chegar na hora.
Uma
semana depois.
- Oi
Marina!
- Oi
Maria José, tudo bem? Obrigada pelas roupas e sapatos que mandou para o meu filho
Joaquim. Ele gostou muito e pediu pra agradecer.
- Que
bom que ele gostou. Isso prova que ele é um garoto de bem, que não tem problema
em usar roupas usadas. E você, como está no trabalho? Dona Sofia não vai para
empresa hoje, então disse que eu podia chegar mais tarde. E você não vai chegar
atrasada?
-
Não. Hoje vou pedir demissão.
- O
quê? Demissão? Como assim?
- Sabe
aquele bingo, o capital cap, compro toda semana, as vezes deixo de comprar o
feijão para apostar na sorte. E dessa vez não é que consegui?
- Sério?
- Sério. Ganhei sessenta mil reais.
Agora vou realizar meu sonho. Vou comprar três máquinas, uns tecidos, linhas e
o restante vou abrir uma conta poupança. Estou tão feliz Maria José em poder
realizar meu sonho, você nem imagina.
-
Parabéns amiga, você merece tudo de bom. Então, você está indo só para pedir as
contas?
- É vou pedir contas sim.
- Queria ser um mosquito daqueles bem pequenos só para ver a cara daquele
velho rabugento do seu Carlos quando você falar que não vai mais trabalhar pra
ele. Velho asqueroso, pão duro.
Marina chega ao trabalho e diz:
-
Bom dia!
-
Paula o senhor Carlos já chegou?
- Já
sim Marina ele está no escritório e furioso com seu atraso.
-
Vou lá falar com ele.Diz Marina.
- Chegando
atrasada de novo dona Marina?
- O
que foi dessa vez? Não me diga que perdeu o ônibus, ou que ele não passou, que
quebrou. Vou descontar cada minuto de atraso no seu salário, assim você não se
atrasa mais.
-
Nunca mais vou me atrasar, pode ficar tranquilo seu Carlos.
-
Não vai mesmo porque da próxima vez eu ponho você no olho da rua.
- Eu
não vou mais me atrasar, porque não vou mais trabalhar para o senhor.
- O
quê? Perguntou ?
-
Isso mesmo que o senhor ouviu. Estou me demitindo. Passei aqui para comunicá-lo e
agradecê-lo por tudo. Esse não foi o melhor trabalho da minha vida, não fui
feliz aqui, mas agradeço a oportunidade. O tempo que passei aqui me fez
refletir sobre muitas coisas e uma dela é que o senhor não merece uma pessoa
como eu trabalhando para você. O senhor é grosseiro, incompreensível, mal educado,
ranzinza, não sabe tratar as pessoas com respeito. Pensa que porque a gente é
pobre tem que se sujeitar as suas humilhações. E não se preocupe, não vou morrer de fome.
Tenho saúde, coragem para trabalhar e muita fé em Deus.
- Ah! Seu Carlos quando a documentação estiver pronta me avise, aqui está minha carteira de
trabalho para o senhor dá baixa. Até outro dia. Que Deus lhe abençoe sempre.