EDUCAÇÃO: REPROVADA
LYA LUFT
Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil reorganizar o caos.
Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos
as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências
negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram
francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender
brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam
o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais
falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo
desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada
vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam
da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase
não sabem escrever, alunos de universidades têm problemas para articular o
pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma,
analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem
sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de um texto que leu e
entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.
Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças
brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não
entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos
num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase a
metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% têm dificuldades
graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem
saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se
por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes
analfabetos.
Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas
particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na
biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o estado não
cumpre o seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a criança) a
necessária condição de saúde, moradia e alimentação.
Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é essencial para
nossa dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria –
exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde,
tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos
aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe
direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites,
nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais
elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida
sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não podemos
reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto sólido
sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço,
disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?
Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz
quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça.
Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a
escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável:
fora isso, não haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora,
escandalosamente reprovada.
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/educacao-reprovada-um-artigo-de-lya-luft/